sexta-feira, 23 de setembro de 2011

As mulheres na Revolução Farroupilha


Quando se fala em Revolução Farroupilha, logo se pensa nos homens que lutaram contra o Império durante dez anos. Entre os guerreiros, havia apenas uma mulher: Anita, que participou das batalhas ao lado de seu amado Giuseppe Garibaldi. Mas esta guerra teve centenas de heroínas anônimas. Mulheres que apesar do sofrimento por ver o marido e os filhos partirem para a luta, sem saber se voltariam vivos, tiveram que assumir suas casas e estâncias a assim manter a economia e a sociedade.
Enquanto os homens guerreavam, elas tornavam-se pais, administradoras, negociantes. Cuidavam da lavoura, do gado, da casa e dos negócios em geral. A pesquisadora Maria Dutra da Silveira salienta: “Heroínas são as esposas, filhas e escravas das estâncias que entretinham os serões familiares desfazendo telas para os curativos ou gastando os dedos para tramar os ponchos que agasalhariam os farroupilhas”. Elas impediram que a pobreza tomasse conta da então província de São Pedro, e não se deixaram intimidar pela grande responsabilidade.
Os produtos da pecuária: gado em pé, charque, couro e sebo eram a base da economia da época. Sendo assim, as estâncias ou fazendas tinham que continuar funcionando, para sustentar as famílias e a própria guerra. Tanto nos campos como nos vales, nada deixou de ser produzido durante a revolução, graças à garra e ao trabalho das mulheres.
Se a história das mulheres durante a revolução farroupilha raramente é contada em livros de história, nos romances ganharam destaque e chegaram à TV e ao cinema. A luta de Caetana Joana Fracisca y Gonzales, esposa do general Bento Gonçalves, foi retratado nos romances Os varões assinalados, de Tabajara Ruas, e A Casa das Sete Mulheres, de Letícia Wierchowzki, transformada em minissérie pela TV Globo. O filme Anahy de Las Missiones, de Sérgio Silva, também conta a luta de uma mulher para sobreviver à guerra. Arrastando um velho carroção sem bois, com a ajuda dos filhos, enfrenta a luta, a morte e o medo. Bibiana, a personagem de O Tempo e o Vento de Érico Veríssimo bem representou a mulher que sofreu, trabalhou e esperou. Enterrou o marido e continuou lutando pelos filhos. Seus netos e bisnetos ainda lutariam nas revoluções de 1893 e 1923. O romance também foi contado numa minissérie de TV, na década de 80, e no filme Um Certo Capitão Rodrigo de Anselmo Duarte.
O ambiente no qual a luta diária das mulheres se desenvolvia dependia da camada social. As casas dos donos das estâncias eram de alvenaria, com paredes reforçadas para proteger de ataques. Tinham diversos quartos, cozinha e sala ampla, onde a família se reunia. As famílias mais ricas tinham móveis vindos da Europa, assim como louças e assessórios. Já o rancho era feito de pau-a-pique (madeira e barro) e coberto de capim santa-fé. Geralmente tinha duas peças. No quarto dormiam em camas feitas de pelegos ou em catres (cama de couro com base em madeira). Na cozinha, poucos e simples móveis, quase sempre feitos pelos próprios donos. Os assessórios eram de couro, barro e porongo.
Na classe média-alta da época, as mulheres eram cultas, geralmente se dedicavam ao piano e a poesia. Usavam vestidos feitos com tecidos nobres como o veludo, muitas vezes vindos da Europa, e usavam assessórios como luvas e leques. O grupo com menos recursos era formada na maior parte pelas mulheres dos peões, descendentes de uma cruza de lusos, espanhóis e índios. Elas auxiliavam no trabalho da estância ou prestavam serviços em casas dos povoados. Também haviam as parteiras, responsáveis pelos nascimentos, e as jujeiras, que dedicavam-se a cura pelas plantas. As vivandeiras ou chinas acompanhavam os homens nos campos de batalha, cuidando de sua roupa e comida. “Andavam à cauda das colunas militares, a cavalo ou em carretas, incitando os soldados às lutas, curando suas feridas ou aquecendo-lhes o corpo e a alma”, define a historiadora Maria Silveira.
Pode-se dizer que a cozinha era a alma das casas. Enquanto bem cedo o cheiro do pão invadia a moradia, a partir das dez horas, temperos como manjerona, cebola e alho garantiam o aroma que saia das pretas panelas de ferro. Além do arroz e do feijão, carnes (cortes nobres, charque ou miúdos) com molhos faziam parte das refeições, acompanhadas por aipim, abóbora, batata-doce, couve ou repolho. A morcilha e a lingüiça também figuravam como o arroz, fritas ou puras. Goiabadas e marmeladas eram tradicionais, junto as compotas de abóbora, pêssego, figo e laranja. Nas cozinhas Também eram produzidos manteiga, pão e queijo.
Muitas mulheres participaram da revolução tendo como armas as letras. A abolicionista Nísia Floresta Augusta nem era gaúcha, mas defendia os farroupilhas. Nasceu no Rio Grande do Norte e aos 23 anos veio morar na província de São Pedro, onde lançou a segunda tradução do livro Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens, de Mistress Godwin,e assim se tornou precursora do feminismo no Brasil. Escreveu Fanny – ou o modelo das donzelas, onde narra as dificuldades das mulheres na revolução.
Em Porto Alegre, que se mantinha fiel ao Império, as mulheres que simpatizavam com a causa farroupilha criaram um grupo unido, batizado ironicamente pelos imperialistas de Farrapas. Faziam o papel de espiãs, colhendo informações dentro da cidade e fazendo-as chegar aos farroupilhas. O jornal O Artilheiro chegou a publicar “O termômetro farrapo”: “Quando as mulheres farrapas têm as janelas fechadas e só aparecem com lenço amarrado na cabeça, as notícias são boas para a legalidade, e é porque aconteceu algum infortúnio aos machos”. Quando as farrapas mandavam comprar velas era preciso cuidado por parte do imperiais, pois elas esperavam alguma movimentação farroupilha e a vela era para os santos fazerem milagres.